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quarta-feira, 11 de junho de 2014

JOÃO UBALDO RIBEIRO E SUA FORTUNA CRÍTICA: ARQUIVO/ ACERVO PARA CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA

JOÃO UBALDO RIBEIRO E SUA FORTUNA CRÍTICA: ARQUIVO/ ACERVO PARA CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA[1]

Juliana Antunes Barreto[2]

Partindo do princípio de que a memória existe apenas quando há o esquecimento de determinados fatos para que outros apareçam, a estudiosa Eliane Maria de Oliveira Giacon, em sua tese de doutorado intitulada Acervo Capiroba (1968-2008): um estudo da fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro (2011), reúne “pedaços da memória e do esquecimento” que auxiliam na compreensão dos estudos sobre o escritor de literatura brasileira contemporânea João Ubaldo Ribeiro.
Por ter concluído que seu material de pesquisa seria não uma fonte primária em posse do escritor João Ubaldo, mas fontes secundárias através das quais seria possível conseguir material de estudo em diferentes espaços como bibliotecas e a WEB por exemplo, Giacon percebeu que o caso do seu estudo se encaixava como acervo, e não como arquivo. Após essa reflexão, nomeou sua pesquisa a partir de um personagem ubaldiano, Capiroba, que está ligado a processos de antropofagia em determinado momento da história narrada no romance Viva o povo brasileiro.
Essa inspiração fez com que fossem “deglutidos” muitos textos ao longo do processo da pesquisa dessa autora. E o resultado foi a obtenção da fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro entre 1968, data da publicação de seu primeiro romance Setembro não tem sentido, até 2008, período em que as pesquisas de Giacon foram organizadas.
Objetivando conhecer mais sobre a vida e a obra desse escritor baiano, utilizamos neste artigo algumas reflexões postuladas por Eliane Giacon, Wilson Coutinho, Rita Olivieri-Godet, dentre outros, tendo a oportunidade de ajudar na construção da memória de João Ubaldo Ribeiro a partir da sua fortuna crítica reunida até então.
Temos procurado por textos que façam parte da crítica voltada a João Ubaldo, pois, no estudo do Mestrado em Literatura Brasileira ao qual nos propusemos, um livro desse escritor passou a ser nosso objeto de estudo. Desta forma, mesmo que não seja nosso objetivo maior estudar toda a fortuna crítica do autor, estudos como os de Eliane Giacon muito contribuíram para que pudéssemos ampliar as leituras feitas a respeito da obra por nós escolhida.
O que pudemos perceber é que algumas obras ubaldianas foram muito privilegiadas pela crítica em detrimento de outras, como A casa dos budas ditosos, livro para o qual pouco se voltou a crítica, em comparação, por exemplo, aos muitos textos, dissertações e teses que se debruçaram sobre o romance Viva o povo brasileiro.
De qualquer forma, tentamos adentrar os estudos já feitos sobre o autor a fim de prosseguir na ideia de que a imortalidade do escritor perpassa sua vasta obra e também o avanço da crítica sobre sua produção[3].
João Ubaldo Ribeiro[4] é um romancista brasileiro, natural da ilha de Itaparica, na Bahia, nascido em 23 de Janeiro de 1941. Assim como outros escritores, manifestou interesse pela leitura desde a sua infância, período em que lia principalmente os livros de Monteiro Lobato, retirados da biblioteca do pai. Em 1951, ingressado no colégio estadual de Sergipe, João Ubaldo permanece empenhado em suas leituras, prestando contas diárias ao pai dos livros lidos, inclusive resumindo-os e traduzindo trechos. É nesse ano que se muda com a família para Salvador e se matricula no Colégio Sofia Costa Pinto, onde é criticado pela professora de inglês devido à sua pronúncia.
Em 1955, na Bahia, matriculou-se no Colégio da Bahia, onde, posteriormente, irá conhecer Glauber Rocha, com quem fez parceria em edições de números de revistas. Em 1957, João Ubaldo iniciou o trabalho como jornalista, tendo ingressado no Jornal da Bahia e na Tribuna da Bahia. Fez a Faculdade de Direito na Universidade Federal da Bahia, iniciada no ano de 1958, embora nunca tenha chegado a exercer a profissão de advogado.
Em 1960, casa-se com Maria Beatriz Moreira Caldas, sua colega na Faculdade de Direito. O primeiro romance de João Ubaldo, Setembro não tem sentido, foi a ela dedicado.
Em 1964, foi bolsista do governo norte-americano, fez um mestrado em Administração Pública e Ciências Políticas na Universidade da Califórnia do Sul. Retornou a Salvador em 1965, quando lecionou Ciências Políticas na Universidade Federal da Bahia durante seis anos. Após esse período, retornou às atividades como jornalista. A publicação, em 1971, de Sargento Getúlio, rendeu ao escritor o Prêmio Jabuti; elevando e firmando a sua carreira.
Em 1975, João Ubaldo assume o cargo de editor-chefe na Tribuna da Bahia. No ano de 1978, um marco importante para a sua carreira internacional: Sargento Getúlio é lançado nos Estados Unidos com a tradução feita pelo próprio autor. No ano seguinte, sai Vila Real. E é em 1980 que se casa com a psicanalista Berenice Batella.
Em 1981, recebeu uma bolsa da Fundação Calouste Gilbenkian, indo a Lisboa. No ano de 1984, um dos seus maiores sucessos é lançado: o romance Viva o povo brasileiro.
Em 1990, João Ubaldo Ribeiro esteve na Alemanha. Já em 1991, volta para o Brasil, onde se instala definitivamente no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, O sorriso do lagarto é adaptado para o formato de minissérie. Uma outra adaptação também é feita de O santo que não acreditava em Deus, no ano de 1993, para a série “Caso Especial”, da Rede Globo.
Em 1994, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Apesar dessa alegria, durante os próximos oito anos, enfrentará problemas com alcoolismo.
Em 1997, publica o romance O feitiço da ilha do Pavão; em 1998, vende os direitos de Viva o povo brasileiro para o cinema; e, no ano seguinte, lança A casa dos budas ditosos, livro cuja venda foi proibida em uma rede de hipermercados de Lisboa, o que, paradoxalmente, fez com que João Ubaldo permanecesse por quarenta semanas no topo da lista de vendagens. Em 2002, lança Diário do farol.
Entre 1968 e 2007, foram publicados nove romances, três coletâneas de contos, sete coletâneas de crônicas, duas obras de literatura infanto-juvenil e um ensaio. Toda essa atividade de João Ubaldo irá contribuir para explorar questões fundamentais a respeito do indivíduo, como também no tocante à sociedade. Assim, torna-se claro o papel da literatura como prática de produção e interpretação da cultura[5].
A obra de João Ubaldo Ribeiro permanece em aberto, fazendo com que nós, leitores, estejamos à espera do próximo acontecimento, de um próximo marco na história da literatura brasileira contemporânea.
Embora não faça parte do nosso objetivo maior examinar minuciosamente a fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro, sentimos necessidade de, após apresentá-lo na literatura brasileira contemporânea, fazer uma apresentação dos principais estudos ao seu respeito. Ao longo das apresentações abaixo, perceber-se-á que há uma tendência maior de fortuna crítica sobre determinadas obras ubaldianas, em detrimento de outras. E nossa tentativa, apesar de breve, é a de trazer incursões dos estudos que encontramos, não seguindo exatamente uma linha cronológica de publicação, mas uma linha de raciocínio que privilegia os estudos que consideramos mais complexos. Desta forma, seja nas questões de núcleos temáticos, ou dos aspectos formais ou ainda estilísticos, os textos e livros comentados partem do que consideramos menos impactante para uma abordagem mais impactante. Não observando qualidade de informação; o que veremos é um embate de opiniões, e nos importa simplesmente trazer um embasamento teórico que tenha sido feito pelos críticos que, de uma forma ou de outra, debruçaram-se sobre João Ubaldo Ribeiro e sua obra, a fim de endossar a sua fortuna crítica.
No livro Um tema em três tempos: João Ubaldo Ribeiro, João Guimarães Rosa, José Lins do Rego (1996), a autora Tieko Miyakazi apresenta três ensaios que, apesar de terem sido escritos em momentos diferentes, possuem características em comum, como a crise de identidade de um sujeito. Os ensaios são de três obras conhecidas da literatura brasileira: Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, Uma história de amor (Festa de Manuelzão), de João Guimarães Rosa, e Banguê[6], de José Lins do Rego.
Por tratar de maneira minuciosa o livro de João Ubaldo Ribeiro, o ensaio dessa autora foi escolhido aqui como um ícone importante para a fortuna crítica do escritor. Ela aborda, dentre outras apresentações, o contexto histórico do livro ubaldiano, datado de 1971, momento em que João Ubaldo nos traz as lutas partidárias no Nordeste, mais especificamente em Sergipe: um tempo de violência em que se confundem política e polícia, em objetivos e práticas[7]. Enfim, todo o trabalho de Miyakazi dedicado a João Ubaldo no referido livro mais parece uma dissecação não apenas técnica, mas psicológica e, principalmente, moral dos personagens, com o apoio de algumas das teorias freudianas, não podendo ser deixado de lado como parte importante da fortuna crítica reunida a respeito do escritor baiano.
Sobre o mesmo livro ubaldiano tratado acima, Sargento Getúlio, e também o livro publicado em 1984, Viva o povo brasileiro, Wilson Coutinho traz um estudo chamado João Ubaldo Ribeiro: um estilo de sedução (2005). Apesar de tratar de outras obras ubaldianas, as duas supracitadas são mais privilegiadas. Além disso, Coutinho trata da biografia do autor, apresentando fatos particulares como o envolvimento de João Ubaldo Ribeiro com o álcool e seus internamentos para tratamento do alcoolismo.
Wilson Coutinho, carioca, foi jornalista e crítico de arte, mestre em Filosofia pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica. Em João Ubaldo Ribeiro: um estilo de sedução, ele separa um capítulo de seu livro para tecer análises críticas sobre Sargento Getúlio. Com o subtítulo “Em nome do bem, em nome do mal – uma leitura de Sargento Getúlio”, o autor apresenta características da obra ubaldiana, publicada em período de ditadura militar no Brasil, chamando a atenção pela violência do personagem principal. E questiona, dentre outras análises, por qual motivo o leitor é capaz, apesar de toda a rudeza do Sargento Getúlio, tomar-lhe mais empatia. As muitas análises críticas, bem como as várias imagens do escritor baiano e os relatos da sua vida fazem desse livro um importante ícone para a fortuna crítica ubaldiana.
Rita Olivieri-Godet, de origem brasileira e especializada nas relações entre literatura e identidade, é um dos grandes nomes quando se trata da fortuna crítica elaborada a respeito de João Ubaldo Ribeiro. Uma das questões apresentadas pela autora, em seu livro Construções identitária na obra de João Ubaldo Ribeiro, é a dimensão social da obra do escritor baiano, a qual se manifesta “na releitura que faz da formação da sociedade brasileira e do processo, muitas vezes doloroso, de mestiçagem étnica e cultural, sem perder de vista o confronto entre um Brasil rústico e primitivo e um Brasil urbano de modelo ocidental”.[8]
O livro de Olivieri-Gidet se subdivide em partes: nas questões introdutórias, são apresentadas vida e obra do autor João Ubaldo Ribeiro, e também é quando se pode ter uma visão ampla da temática para a qual o trabalho da autora está voltado – a questão identitária; no primeiro capítulo, intitulado “Identidade, Território e Memória”, a autora se dedica à obra ubaldiana Viva o povo brasileiro; no segundo capítulo, “Identidade, Território e Utopia”, Olivieri-Godet se ocupa de Vila Real e O Feitiço da Ilha do Pavão; é no terceiro capítulo, “Discurso e construção identitária”, que a autora se dedica a analisar, conforme a temática a que se propõe, o livro A casa dos budas ditosos, e também perpassa novamente por Viva o povo brasileiro e Diário do Farol, sob a ótica do sujeito e da violência; no quarto e último capítulo, “Estratégias narrativas e problemática identitária”, Olivieri-Godet trabalha com estratégias narrativas em contos de João Ubaldo, além de reforçar a questão identitária.
Além de focar essa temática, tão evidente nas obras ubaldianas – a identidade –, Olivieri-Godet ainda apresenta outros prismas a respeito da obra desse escritor, repleta de “paródia, humor, dessacralização de determinadas tradições, mas também reconhecimento e cumplicidade para com outras”.[9] O estudo de Olivieri-Godet se faz complexo e de muito valor para o aprofundamento dos estudos da crítica sobre João Ubaldo Ribeiro, apesar de, assim como outros estudos críticos, privilegiar alguns livros em detrimento de outros. Dentre as publicações de João Ubaldo, Rita Olivieri-Godet nos mostra que o romance Viva o Povo Brasileiro é considerado pela crítica a obra-prima do escritor, e a ele se volta mais de uma vez em seus estudos.
Haroldo de Campos, no ensaio intitulado “Uma leminskíada barrocodélica”, presente em seu livro Metalinguagem & outras metas (2006), nomeia o romance ubaldiano Viva o povo brasileiro de “desmedido, exorbitante, caudaloso”[10], comparando-o com Catatau, de Paulo Leminsk, principalmente no tocante à tematização da antropofagia.
Outro crítico que se manifestou principalmente sobre esse romance ubaldiano é José Antonio Pasta Jr., da Universidade de São Paulo, que, a partir de uma conferência pronunciada na Université de Paris III, a convite da professora Jacqueline Penjon, lança um texto intitulado “Prodígios de ambivalência” (2000), no qual, apesar de, por um lado, reconhecer a grande acolhida pelo público à obra Viva o povo brasileiro, e o fato de se recolher ao livro “o estatuto de grande qualidade literária, quando não da autêntica obra-prima”[11], por outro lado, diz que a crítica universitária, a qual teria acompanhado João Ubaldo Ribeiro até Sargento Getúlio, silenciou-se diante de Viva o povo brasileiro. E isto seria um grande indício de rejeição.
O crítico vai tecendo considerações a respeito do que, aparentemente, seriam as principais qualidades do livro ubaldiano, para, depois, constatar conflitos. Como acontece no momento em que profere que o impulso de Viva o povo brasileiro,

totalizante, na matéria histórica, parece desdobrar-se e tomar corpo em um movimento semelhante no campo literário. O livro se constitui parodiando os estilos de época próprios de cada um dos momentos históricos que incorpora, o que o faz apresentar em uma única sequência todos os estilos históricos mais marcados que nossa tradição literária registra e reconhece.[12]

Para depois, afirmar em página seguinte, que esse movimento tão vasto não possui resultado. Acrescenta, ainda, no que diz respeito à linguagem do referido livro, tratar-se de um desperdício – palavra, inclusive, utilizada mais de uma vez ao longo do texto. A sensação que se tem é que o crítico pretende afirmar, a todo momento, que a obra ubaldiana em questão possui elementos que poderiam ter sido mais bem aproveitados, dada a qualidade do escritor.
Ainda sobre Viva o povo brasileiro, Eliane Maria de Oliveira Giacon (2012) nos apresenta esse romance como sendo a obra mais conhecida de João Ubaldo. Em uma linha que nos parece bem distante da seguida pelo crítico anterior, Giacon traz uma visão bastante complexa – e positiva – da obra ubaldiana, fruto de estudos que culminaram em mestrado e doutorado tendo João Ubaldo Ribeiro como objeto de estudo.
Eliane Giacon, atual professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, é outra estudiosa sobre João Ubaldo Ribeiro, tendo elaborado e publicado sua dissertação de mestrado no livro Literatura e Identidade Nacional: Uma leitura de Viva o Povo Brasileiro (2012), através do qual também é possível resgatar o valor da obra ubaldiana. A tese de doutorado de Eliane Giacon intitulada Acervo Capiroba (1968-2008): um estudo da fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro, obtenção em 2011, ainda não foi publicada em livro, porém é um grandioso acervo para consulta sobre a fortuna crítica de João Ubaldo. Os estudos feitos propiciaram uma divisão da fortuna crítica do escritor em três fases, não somente sob uma delimitação temporal, mas em relação a três momentos da crítica sobre sua obra. São estas: a fase de manifestação (1968-1981), de consolidação (1982-1999) e a de continuidade (2000-2008).
A estudiosa mostra que a fase das manifestações é quando se percebe a tentativa de formar um público leitor da crítica, e os textos desse período formam um material anunciador de alguns pontos marcantes da obra de João Ubaldo Ribeiro, como a busca pela identidade, a identidade nacional, o regionalismo, o humanismo, o engajamento e as questões de linguagem[13]. O segundo momento, o da consolidação da crítica sobre João Ubaldo, é demarcado “pelo acúmulo de trabalhos críticos que saem do status de resenhas e adentram ao espaço de discussões teóricas sobre a obra”[14]. Nesse período, cada vez mais, haverá um intercâmbio de críticos que farão estudos capazes de situar a obra ubaldiana como uma significativa leitura da história e da sociedade brasileira. A terceira fase da crítica de João Ubaldo Ribeiro, nomeada por Giacon de fase da continuidade, ficou marcada entre 2000 e 2008, tendo sido escolhida a última data por ser imediatamente anterior à data de publicação de seu estudo. Isso quer dizer que, pelo fato de o escritor ainda estar atuando na literatura brasileira contemporânea, é possível que surjam novos textos que estimulem mais estudos críticos que possam integrar a terceira fase citada por Giacon, ou, ainda, adentrar a uma possível outra fase, quarta fase, mais recente e mais atualizada.
Por não estar ainda disponível em livro, não nos foi possível contemplar toda a pesquisa que traz essa tese de doutorado, entretanto, foi possível, dentro dos nossos limites, perceber que, com certeza, esse é um grande trabalho que pode ser citado como uma importante sistematização crítica a respeito da obra ubaldiana e, devido a isso, torna-se um interessante guia para outros estudiosos que queiram conhecer melhor João Ubaldo Ribeiro e fazer diferentes leituras a respeito da sua obra.
Conhecedora desse escritor em sua essência, Giacon afirma que o estilo de escrita de João Ubaldo Ribeiro é “camaleônico, que se modifica a cada obra, não apenas quanto ao arcabouço temático, mas também quanto à forma”. E ainda explica que, desta forma, “há obras estritamente políticas, outras filosóficas, outras ambientalistas, outras históricas e outras memorialistas”[15]. Mesmo sendo tão multifacetada, a obra desse escritor, conforme é possível verificar nas análises de Giacon, tende a uma certa unidade, que seria uma centralização no homem de todas as épocas.
No prefácio de O caminho do meio: uma leitura da obra de João Ubaldo Ribeiro, de Zilá Bernd e Francis Utéza, Moacyr Scliar presta homenagens a João Ubaldo, expondo sua honra em pertencer à mesma geração literária que o escritor baiano. Sendo um conjunto de ensaios, os quais valorizam as principais obras de João Ubaldo segundo a crítica, não faltam elogios sinceros e críticas construtivas a obras como Sargento Getúlio, Viva o povo brasileiro, O feitiço da ilha do Pavão, dentre outras. Já na apresentação, os autores proferem um juízo valoroso:

A obra de João Ubaldo Ribeiro tem o mérito de ativar as duas funções [sacralizadora e de dessacralização], pois ao mesmo tempo em que rememora elementos fundamentais, evoca mitos de origem e relembra contos e lendas de extração oral, atua constantemente, através do riso, no sentido da subversão dos discursos rituais esclerosados, transgredindo conceitos como os de herói e povo.[16]


O título do livro (O caminho do meio) é repetido algumas vezes no decorrer dos ensaios, levando sempre à ideia de que a obra ubaldiana desmonta esquemas binários de interpretação do mundo e de afirmação identitária, caminhando para desvendar uma terceira margem, a qual contempla o múltiplo: um caminho do meio.[17]
Os ensaios se distribuem de maneira desigual, contendo uma superioridade de textos de autoria de Bernd, mas todos sempre buscam obter uma ótica diferenciada, coerente e lógica para algumas das obras de João Ubaldo Ribeiro.
Além do livro citado, em que há a parceria de Bernd com Utéza, Zilá Bernd fez um trabalho de bastante relevância para a fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro, ao reunir, em Obra Seleta, elementos que compõem fundamentalmente aquilo que se pôde reunir até a data da publicação do livro (2005), fatos da vida e obra do escritor baiano. Nesse trabalho, Bernd nos traz: uma cronologia da vida e obra de João Ubaldo; uma iconografia através da qual podemos ver o autor em diversos momentos de sua vida; oito textos de fortuna crítica; cinco romances do autor – Sargento Getúlio, Vila Real, Viva o povo brasileiro, A casa dos budas ditosos e Diário do farol –, editados na íntegra; dois livros de contos – Vencecavalo e o outro povo e Já podeis da pátria filhos e outras histórias; e quatro livros de crônicas escolhidas – Sempre aos domingos, Arte e ciência de roubar galinha, O conselheiro come e Um brasileiro em Berlim.
A introdução do trabalho de Bernd é um ensaio de sua autoria intitulado “A escritura mestiça de João Ubaldo Ribeiro”, no qual, dentre outros elogios, a autora nos apresenta João Ubaldo como sendo “polígrafo, infatigável trabalhador intelectual, praticante de quase todos os gêneros e capaz de imbricar vários deles em um mesmo texto, humorista privilegiado e incomparável inventor de uma retórica proliferante”[18].
Sem a pretensão de nos delongarmos, é viável abordar brevemente a fortuna crítica trazida pela Obra Seleta organizada por Zilá Bernd, na qual encontram-se os textos: “Um verdadeiro romancista”, de Jorge Amado; “Enfrento. Logo, existo. Uma leitura de Sargento Getúlio”, de Rodrigo Lacerda; “João Ubaldo e a saga do talento triunfante”, de João Carlos Teixeira Gomes; “A fala do chefe: discurso e legibilidade no romance Vila Real”, de Juva Batella; “A universalidade do Espírito: hermetismo e candomblé em Viva o povo brasileiro”, de Francis Utéza; “Sujeito totalitário e violência em Viva o povo brasileiro e Diário do farol”, de Rita Olivieri-Godet; “Viva o povo brasileiro: história e imaginação”, de Eneida Leal Cunha; e “João Ubaldo Ribeiro: a ficção como história”, de Luiz Fernando Valente.
Com todas essas exposições, mesmo que breves, foi possível perceber parte da fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro, sua receptividade, principalmente em obras como Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro, tornando-o consagrado como escritor da contemporaneidade da literatura brasileira.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa intenção foi a de trazer informações sobre a fortuna crítica até então desenvolvida sobre a obra de João Ubaldo Ribeiro, mesmo que, em nosso embasamento, muitos temas ou livros tenham sido repetidamente tratados, uma vez que, assim conforme percebemos, houve uma maior preocupação da crítica com determinadas obras ubaldianas em detrimento de outras.
Sabendo que não nos cabe esgotar os estudos críticos sobre João Ubaldo Ribeiro, e, mais ainda, cientes de que as dificuldades de acesso a dissertações e teses da atualidade, ainda não publicadas em livro, é fator primordial na escolha dos autores aqui apresentados, de todo modo, pensamos ter feito uma apresentação coerente e relevante que venha a conduzir mais facilmente os demais estudiosos do escritor baiano. Desejamos ter efetivado nossa intenção de dar a nossa contribuição à fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro e auxiliar na consagração de sua memória, uma vez que concordamos com o pensamento de Eliane Giacon de que “remover, revirar, (re) estudar os documentos relativos a um escritor e sua produção/recepção constituem uma das formas de nunca relegá-lo ao anonimato”[19].


REFERÊNCIAS

BERND, Zilá (Org.). João Ubaldo Ribeiro: Obra Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.
BERND, Zilá; UTÉZA, Francis. O caminho do meio: uma leitura da obra de João Ubaldo Ribeiro. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2001.
CAMPOS, Haroldo de. Uma leminskíada barrocodélica. In: Metalinguagem & outras metas: ensaios de teoria e crítica literária. 2.reimpressão. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
COUTINHO, Wilson. João Ubaldo Ribeiro: um estilo de sedução. Rio de Janeiro: Relume, 2005.
GIACON, Eliane Maria de Oliveira. Acervo Capiroba (1968-2008): um estudo da fortuna crítica de João Ubaldo Ribeiro. 318f. Tese de doutorado. Área de concentração: Literatura e Vida social. Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2011.
GIACON, Eliane Maria de Oliveira. Literatura e Identidade Nacional: Uma leitura de Viva o Povo Brasileiro. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2012.
MIYAZAKI, Tieko Yamaguchi. Um tema em três tempos: João Ubaldo Ribeiro, João Guimarães Rosa, José Lins do Rego. São Paulo: Fundação Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996.
OLIVIERI-GODET, Rita. Construções Identitárias na obra de João Ubaldo Ribeiro. Tradução de Rita Olivieiri-Godet, Regina Salgado Campos. São Paulo: HUCITEC; Feira de Santana, BA: UEFS Ed.; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009.
PASTA JR., José Antonio. Prodígios de ambivalência. In: QUINT, Anne-Marie (Ed.). Cahiers du Crepal. N.7. Centre de Recherche Sur Les Pays Lusophones. Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, 2000, p. 163-176.

RESUMO

João Ubaldo Ribeiro é um romancista natural da Bahia, nascido em 1941. Entre 1968 e 2007, o autor publicou nove romances, três coletâneas de contos, sete coletâneas de crônicas, duas obras de literatura infanto-juvenil e um ensaio; tendo se destacado os romances Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro, grandes alvos da crítica literária brasileira. No livro João Ubaldo Ribeiro: um estilo de sedução, Wilson Coutinho traz um banquete de cotidianos, manias, costumes e fatos particulares da vida de João Ubaldo. Além desse, encontramos Zilá Bernd, Rita Olivieiri-Godet, Eliane Giacon, entre outros estudiosos, que decidiram fazer do escritor baiano seu objeto de estudo. Este trabalho objetiva comentar o que temos reunido a respeito da fortuna crítica desse escritor, que serve como um arquivo/acervo que se estruturará como uma abertura para as possíveis leituras de João Ubaldo Ribeiro.

Palavras-chave: João Ubaldo Ribeiro. Fortuna crítica. Arquivo. Acervo. Memória.


ABSTRACT


João Ubaldo Ribeiro is a brasilian novelist, born in 1941. Between 1968 and 2007, the author published nine novels, three collections of short stories, seven collections of chronicles, two books of children's literature and an assay; having excelled novels "Sargento Getúlio" and "Viva o povo brasileiro", major targets of the Brazilian literary criticism. In the book "João Ubaldo Ribeiro: um estilo de sedução", Wilson Coutinho brings the customs and particular facts of the life of João Ubaldo. Beyond this, we found Zilá Bernd, Rita Olivieri-Godet, Eliane Giacon, among other studious, who have decided to make of João Ubaldo the object of study of them. This paper aims to review what we have gathered about the critical fortune of this writer, who serves as an archive/acquis which will be built as an opening to the possible readings  about João Ubaldo Ribeiro.

Keywords: João Ubaldo Ribeiro. Critical fortune. Archive. Acquis. Memory.








[1] Este trabalho tem como base o primeiro capítulo da dissertação em fase de elaboração intitulada O RETORNO DE LILITH EM A CASA DOS BUDAS DITOSOS, DE JOÃO UBALDO RIBEIRO, sob a orientação da Profª. Drª. Telma Borges.
[2] Mestranda em Estudos Literários – Literatura Brasileira, no PPGL da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. (CAPES).
[3] (GIACON, 2011, p. 139).
[4] Todos os dados biográficos no texto não atribuídos a nenhuma fonte foram retirados alternadamente de: BERND, Zilá (Org.). João Ubaldo Ribeiro: obra seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005; e OLIVIERI-GODET, Rita. Construções Identitárias na obra de João Ubaldo Ribeiro. Tradução de Rita Olivieiri-Godet, Regina Salgado Campos. São Paulo: HUCITEC; Feira de Santana, BA: UEFS Ed.; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009.


[5] (OLIVIERI-GODET, 2009, p. 27).
[6] Aqui, como em todo o texto, foi escolhida a escrita atualizada de acordo com o Acordo Ortográfico em vigência.
[7] (MIYAKAZI, 1996, p. 11).
[8] (OLIVIERI-GODET, 2009, p. 19).
[9] (OLIVIERI-GODET, 2009, p. 20).
[10] (CAMPOS, 2006, p. 218)
[11] (PASTA JR., 2000, p. 164)
[12] (PASTA JR., 2000, p. 165).
[13] (GIACON, 2011, p. 141).
[14]  (GIACON, 2011, p. 142, grifo da autora).
[15] (GIACON, 2012, p. 9).
[16] (BERND; UTÉZA, 2001, p. 11).
[17] (BERND; UTÉZA, 2001, p. 12).
[18] (BERND, 2005, p. 13). 
[19]  (GIACON, 2011, p. 139).





*dados gerais:
título: JOÃO UBALDO RIBEIRO E SUA FORTUNA CRÍTICA: ARQUIVO/ ACERVO PARA
CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA

evento: VIII seminário de Literatura brasileira - Unimontes - Montes Claros, 4 a 6 de junho de 2014.

comunicação e publicação em anais do evento

BARRETO, Juliana Antunes. JOÃO UBALDO RIBEIRO E SUA FORTUNA CRÍTICA: ARQUIVO/ ACERVO PARA
CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA. In: VIII seminário de literatura brasileira. Montes Claros/MG: Unimontes, 4 a 6 de junho de 2014.

Um comentário:

  1. Informações sobre minha Dissertação, na qual trabalho a análise literária de CLB, dA casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, entrar em contato:

    Juliana Barreto
    juportugale@hotmail.com

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