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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Metáforas do fim do mundo


Metáforas do fim do mundo*

E, então, sobrevivemos. Sobrevivemos a mais um fim do mundo. Ou não. Talvez estejamos lutando e sobrevivendo, todos os dias – dias de um fim do mundo, últimos dias de nossas longas curtas vidas, todos os dias.

Nada como passar este dia 21 de dezembro de 2012 assistindo ao filme baseado em uma das maiores obras literárias de todos os tempos: Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Relembrando como intuitivamente nos tornamos cegos para não ver o que não nos é cômodo. Ou, o contrário.
Cegas vítimas nos tornamos daqueles que nos manipulam como marionetes. Ver e enxergar deixam de ser sinônimos. E isso se torna claro na ferida causada pelo salto do sapato da prostituta, na perna do ladrão, deixando-a infectada pela sujeira das ruas. E também se torna claro como o quanto se perde de moral, de senso, de ética, de mínimo de pudor ou vergonha, quando se está “cego” e se luta pela sobrevivência em meio ao caos.

Saramago reflete o fim do mundo em que se vive todos os dias: a moléstia da sociedade hipócrita e individualista. Nesta “era do vazio”, nas palavras de Lipovetsky, em que as pessoas matam e morrem sem motivos. Não há mais ideologias que movem. Toma-se simplesmente o poder e dele se faz o que lhe for conveniente. E que o caos reine. Porque a mesma impiedade que torna um ser “cego” torna-o “rei”, e muito se aumenta a diferença entre o topo e o chão. Mas, na hora da morte, ou na luta contra ela, quem é rico e quem é pobre? O que importa ser médico ou um idoso que mais nada tem a perder, nem tem esperanças em seu resto de vida?

Para onde vão as belezas e as riquezas diante de uma situação caótica? São menos sobreviventes de um fim do mundo os mendigos e os abandonados, seja pela família ou pelo governo, quando catam restos de dignidade em restos de comidas jogadas fora pela classe alta? O que é o fim do mundo senão o momento em que já não se pode afirmar com certeza se vivemos. Se se vive ou se se sobrevive. Se a morte vazia, de uma mente vazia que mata crianças ou quaisquer inocentes, pune seus crimes. O que é o fim do mundo senão o hoje que respiramos passivamente e o ontem que deixamos ser derramado por entre os dedos, sem punição a quem merecia, sem salvação a quem temia, sem conforto a quem sofria?

Fim do mundo é a morte em vida. Morte e vida Severina, como bem disse João Cabral. É a fome. É a violência. O suicídio. A falta de crença no que quer que seja.

O vazio.

Fim do mundo são os pais contra os filhos e os filhos contra os pais. É a perda da dignidade devido a algo imposto pelo sistema opressor. É fingir que se vive, como quem finge que ensina ou quem finge que aprende.

Muitos brincaram, temeram, blasfemaram ou ironizaram o fim do mundo. Fazemos isso a todo momento. E mal sabemos que o fim do mundo não está próximo. Está. Simplesmente. É. Simplesmente. É nosso momento e nosso presente. Porque, a partir do momento em que o dinheiro importa mais que a honra, a beleza exterior mais que os sentimentos, o status (tantas vezes falso) mais que a verdade... então já está estabelecido o caos.

Mesmo que não esteja chovendo raio ou meteoros, nem haja dois sóis, ou “o número da besta” estampado nas testas dos ímpios... estão soltas as feras. Os homens se matam a si e aos outros. À natureza. Ao mundo. Vivemos no caos que criamos.

Somos vítimas-algozes nesta era tão vazia de tudo, tão repleta de “nadas”.

*Por Juliana Barreto.

Profª de Língua Portuguesa, formada em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES Contato: ahhfalaserio@hotmail.com Página no Facebook: http://www.facebook.com/nossaquefacil

Um comentário:

  1. Bacana que o fim do mundo seja uma inversão de valores estamos precisando... rsrs

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