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quarta-feira, 23 de março de 2011

Uma feijoada como objeto interdisciplinar (Rubem Alves)

Uma feijoada como objeto interdisciplinar

Uma boa notícia! Saiu publicada! O Conselho Nacional de Educação aprovou o fim de disciplinas no Ensino Médio! Será, então, possível lecionar os conteúdos de maneira interdisciplinar, sem que sejam separados em História, Matemática, Química…
A notícia diz que um dos objetivos dessa medida é tornar os estudos mais atraentes. Sei que os estudos ficarão mais atraentes, mas mais do que isso: eles ficarão mais científicos. Por uma razão óbvia: todos os objetos sensíveis de conhecimento são interdisciplinares.
O que quero dizer com isso? Vou tomar como exemplo, um prato de feijoada. Por um prato de feijoada passa uma infinidade de maneiras de conhecer. Primeiro, o prazer gastronômico olfativo, gustativo, visual… Segundo, a arte de se fazer uma feijoada. Depois, a Física e a Economia, porque um prato de feijoada tem peso (Física) e custo (Economia) a ser determinado pela balança, se você está em um restaurante por quilo. A seguir vem a História: porque a feijoada não existiu sempre, ela foi inventada, possivelmente, pelos negros escravos que usavam as partes do porco que os patrões desprezavam. Também está presente a química do torresmo, da gordura, do colesterol. Depois, as consequências ecológicas e ambientais, pois a criação de porcos, dadas as suas dimensões, produz um impacto ambiental. Ao comer um bife, nenhuma pessoa imagina que com ele, o bife, vai uma pequena parte da Amazônia.
Mas a nossa tradição, por razões bem compreensíveis, foi levada a separar as coisas em compartimentos estanques: a Física, a Química, a História, a Geografia. Tomou-se consciência, então, da necessidade de juntar aquilo que as ciências individuais haviam separado. Mas como fazer isso? Costurar as ciências? Não basta colocar todas juntas. Isso só criaria uma torre de Babel. Mas a solução é simples… Em vez de se partir dos conhecimentos separados das ciências, cada uma delas falando uma linguagem diferente, partir-se das coisas: da laranja, da pera, da caravela, do cavalo, do peixe, da casa… Ah! A casa… Que magnífico objeto que só existe pela cooperação de várias ciências, de vários saberes, de vários ofícios…
Em uma entrevista, perguntaram ao Amyr Klink qual era a escola ideal, e ele respondeu que era uma escola numa ilha localizada entre a Inglaterra e a Islândia, onde as crianças aprendem tudo o que é para ser aprendido construindo uma casa viking.
Foi pensando nisso que escrevi um livro para crianças e adolescentes com o título Vamos construir uma casa?
Continua a notícia dizendo que a intenção é que a atual estrutura curricular, organizada em disciplinas, seja substituída pela organização dos conteúdos em quatro eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura, a fim de que os conteúdos ensinados ganhem maior relação com o cotidiano e façam mais sentido para os alunos.
E há mais outra modificação: 20% da grade curricular deve ser escolhida pelo estudante! Coisa tão óbvia… Não existe a menor razão para que um aluno apaixonado por literatura seja obrigado a resolver problemas de Química.
Mas eu gostaria de sugerir uma pequena modificação para que a proposta do Ministério fique perfeita: acho horrível a expressão grade curricular. Acho que ela foi inventada por um carcereiro desempregado: os saberes dentro de grades… Muito mais de acordo com o espírito do Ministério seria caminhos curriculares.

Rubem Alves. Fonte: Portal Positivo
http://blog.educacional.com.br/rubem_alves/p101773/


Boa proposta. Mas... Com isso,seria mudado também o processo seletivo que ingressa estudantes nas universidades? Porque a única tentativa de um vestibular mais justo feita até agora (o "novo enem")  ainda está muito longe do ideal. Não se avalia, não se prepara mentes, não se cria pensamentos críticos. Consequentemente, as universidades recebem, cada vez mais, alunos pouco preparados ou nada preparados para o mundo acadêmico.

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